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Wednesday, November 08, 2006

Joao Salgueiro ao "Publico"

João Salgueiro: Governo actua "na linha do peronismo" 08.11.2006 - 08h08 : Cristina Ferreira e Vítor Costa/PÚBLICO

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) diz que José Sócrates tem procurado ter a agenda mediática por sua conta e que os ataques à banca fazem parte da estratégia de atrair a opinião pública. O responsável interroga-se se o sucesso desta estratégia está nas agências de comunicação.

PÚBLICO - Como analisa as conclusões do relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a banca nacional?
JOÃO SALGUEIRO - A conclusão final é encorajante. O FMI diz que a banca é um sector moderno, bem gerido e competitivo. É difícil de dizer isto de muitos sectores em Portugal. Até para bem da auto-estima dos portugueses e para relançar expectativas, que o Governo diz que está muito interessado em estimular, as conclusões deveriam ter sido desenvolvidas. Mas o que se tem criado é ocupação da agenda mediática com incidentes bastante marginais à base do problema.

Por que é que isso acontece?
É uma estratégia. Este Governo tem mostrado que dá uma grande prioridade à ocupação das agendas mediáticas. E tem procurado, através de confrontos, de anúncios de grandes projectos, de grandes programas, de grandes eventos mediáticos, ter a agenda por sua conta. E tem conseguido. Não sei se é mérito dos membros do Governo se das agências de comunicação que os assessoram. Mas tem sido bem-sucedido. Mas isto tem limites. Uma coisa é a imagem, outra a realidade.

O ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes tentou criar um gabinete de comunicação para promover as acções do Governo. José Sócrates está a pôr esta estratégia em prática?
Este Governo tem-lo feito, mas agora de forma bastante mais profissional. Mas a intenção é a mesma. Isto já se tinha visto em termos de campanhas eleitorais, mas nunca em termos de governos.A banca já se manifestou disponível para colaborar com o Governo.

Em quê?
Não tem feito outra coisa. A banca já apresentou estudos indicando que a legislação fiscal não é competitiva. E o Governo já alterou alguns pontos, como o regime de dupla tributação. Mas existem outros...Existem três grandes blocos que retiram competitividade ao país, sendo um deles o IVA. Estamos a desviar negócio para Espanha e esta é, estou convencido, uma das razões porque o nosso produto está a crescer menos. Ainda por cima as pessoas têm o bónus de ter gasolina mais barata. Outro entrave é o regime do good-will. Umas das razões porque as empresas espanholas oferecem preços altos nas aquisições é porque têm um desconto fiscal, e compram o que quiserem porque nós não podemos competir. Há ainda o regime das SGPS. Por alguma razão as empresas portuguesas, mesmo as de interesse público, instalam as suas sedes fora do país. A fiscalidade não é um factor de competitividade em Portugal.

O problema é apenas a fiscalidade?
Se analisarmos componente a componente não podemos dizer que em nenhuma delas somos os mais competitivos. Não somos na questão laboral, na burocracia, na justiça, no ensino e na fiscalidade. Porque é que havemos de trazer investimento estrangeiro...só fazendo uns favores na negociação dos contratos, permitindo a quem investe não pagar impostos, ter regimes especiais. Porque o regime geral para as nossas Pequenas e Médias Empresas, que são o grosso do tecido económico, é desfavorável.

A banca só colabora dando sugestões?
A banca tem colaborado em todas as campanhas de interesse nacional. Ainda há dois anos negociámos a cobrança e o pagamento dos encargos e das pensões para a segurança social. Que, aliás, melhorou. Basta dizer que os sistemas eram incompatíveis. O sistema informático que cobrava as receitas da segurança social era incompatível com o que pagava as pensões. Isto passou a ser feito pela banca, que cobra ainda centenas de milhões de impostos para o Estado.Portanto quando o Governo fala com esta arrogância da banca é peronismo, é na linha do peronismo.

Que balanço faz da actuação do Governo?
Temos vivido estes últimos anos sentados sobre o Orçamento do Estado (OE). Ter um OE disciplinado é indispensável, mas não é suficiente. E a atenção dos portugueses há quatro anos que está fixada na redução da despesa pública. E com fracos resultados. Já se diz que são precisos mais dois. Não existe nenhum processo de ajustamento europeu que tenha sido tão longo. E isto tem custos humanos enormes e quebra as expectativas.

Como se resolve a situação?
Não é com grandes acções mediáticas. O equilíbrio das finanças públicas tem que se fazer também à base do desenvolvimento.

Como?
Tomando as medidas para desbloquear as situações. O governo tem anunciado uma série de reformas, mas há medidas que são elementares como não atrasar os pagamentos ao sector privado, que têm que pagar os seus impostos sem terem antes recebido o que lhe é devido.

O Governo procura conflitos para evitar tomar medidas essenciais?
A estratégia de conflitualidade que o governo adoptou, de provocar conflitos com várias classes sociais, é nalguns casos justificada, mas noutras é menos, porque são coisas superficiais e simbólicas. Devia estar a polarizar as pessoas para uma tarefa positiva, pondo à sua frente um objectivo de criar riqueza e não de austeridade.

Como avalia o OE?
As medidas vão no sentido certo, mas não há um sentido de urgência como devia haver. Este ajustamento arrastado que leva seis a sete anos vai corroer a base de apoio do Governo e vai levar a que muita gente que desejaria investir em Portugal não o faça. Hoje existe uma situação favorável, com uma maioria absoluta. Mas os governos quando entram em perda começam a tomar medidas que não são muito racionais. Quem vier a seguir fica numa situação desgraçada se não tiver maioria absoluta e podemos mesmo entrar em situação de colapso económico e social. Há uma urgência muito grande e este OE está no limite do aceitável. O Governo argumenta com a redução do peso da despesa no PIB...Sim, mas em termos relativos, em relação à Europa piorámos. Éramos um dos cinco que estávamos com défice excessivo e agora somos o único.

Qual é a sua sugestão?
Os milagres a seguir à guerra, da Alemanha e do Japão e mais tarde da Irlanda e da Holanda, resultaram de medidas que desbloquearam as situações. Na Alemanha foi uma coisa tão simples como adoptar uma moeda credível, o marco, e os alemães acreditaram que tinham ali um valor e começaram a trabalhar para esse valor. Noutros países foi a legislação laboral. Ora muitos investimentos poderiam ter vindo para Portugal se se tivesse criado um terceiro regime laboral mais flexível para novos projectos e não pondo em causa os regimes em vigor. Um bom exemplo é o da AutoEuropa em que a Comissão de Trabalhadores viu o que era feito nos outros países, adaptou-se e teve sucesso. Perde-se muito tempo a dizer que é preciso alterar esta legislação, mas podia avança-se para outra alternativa sem alterar a actual.Chamar a atenção dos portugueses para estes problemas de fundo era mais importante do que estar a focar a sua atenção no Orçamento ou na conflitualidade.

E considera que as medidas legislativas que têm sido propostas em relação à banca fazem parte dessa estratégia?
Esses afloramentos relativos à banca fazem parte desta estratégia de conflitualidade para atrair a opinião pública. É como se fosse um circo e a comunicação gosta. Eu tinha apostado com alguns amigos que haveria um incidente com a banca para ajudar a distrair das limitações do Orçamento do Estado.

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